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Sementes da Amazônia: uma fonte de renda para comunidades tradicionais que protege a floresta em pé

Nucleo de Conservacao e Apoio ao Empreendedorismo Sustentavel Padre joao Derickx, na comunidade Bauana na RDS Uacari, regiao do Medio Jurua em Carauari, Amazonas, Brasil. Setembro 2021. Na foto Reginaldo Oliveira dos Santos, coordenador da empresa de base comunitaria, segurando sementes de andiroba. Foto: Bruno Kelly.

Programa Território Médio Juruá atua para fortalecer cadeia de sementes e óleo, beneficiando 2.652 ribeirinhos.

“O principal impacto para as famílias da região foi o aumento da geração de renda. Com o incentivo, a conservação da floresta em pé ficou fortalecida, já que, para colher as sementes, é preciso preservar, e não desmatar.” A avaliação é de Reginaldo Oliveira dos Santos, morador da comunidade Bom Jesus, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari, ao falar sobre a importância da cadeia de óleos para comunidades ribeirinhas que vivem no Território Médio Juruá.

Santos é coordenador de produção da Empresa de Base Comunitária (EBC), em Bauana, uma das duas unidades instaladas na região para o processamento de óleos e manteigas extraídos das espécies murumuru (Astrocaryum murumuru), andiroba (Carapa guianensis) e ucuúba (Virola Surinamensis). A outra unidade fica na comunidade Roque. Para chegar até lá, é preciso viajar de avião entre a capital do Amazonas, Manaus, e o município de Carauari por cerca de duas horas, e depois de lancha por pelo menos mais três horas pelo rio Juruá.

Atualmente, a cadeia de coleta de sementes e o processamento de óleos envolve mais de 663 famílias e 2.652 agroextrativistas na região, incluindo mulheres. Alguns moram na RDS e outra parcela vive na Reserva Extrativista Médio Juruá. A comercialização é feita por meio de duas organizações locais: a Associação dos Moradores Agroextrativistas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari (AMARU) e a Cooperativa de Desenvolvimento Agro-Extrativista e de Energia do Médio Juruá (CODAEMJ).

O processo recebe apoio do Programa Território Médio Juruá (PTMJ), coordenado pela Sitawi. O PTMJ tem como parceiros estratégicos a USAID/Brasil, a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) e a Natura, empresa que compra toda a produção local. Conta ainda com a participação da Aliança Bioversity/CIAT e com organizações comunitárias (ASPROC, ASMAMJ, AMECSARA, AMARU, CODAEMJ e ASPODEX) que atuam como implementadoras das ações. O ICMBio, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) e a OPAN apoiam o programa. A cadeia dos óleos vegetais na região tem ainda a colaboração do Instituto Juruá e da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

O PTMJ visa contribuir com o desenvolvimento sustentável do Médio Juruá, cobrindo uma área de mais de 1.020.000 hectares, com duas unidades de conservação (Resex Médio Juruá e RDS Uacari) e parte do Território Indígena Deni do Rio Xeruã. O programa está estruturado em três pilares integrados: meios de vida sustentáveis, conservação da biodiversidade e coesão social.

Para Felipe Pires, coordenador de Programas Territoriais da Sitawi, o PTMJ, sendo uma iniciativa colaborativa que envolve uma ampla rede de organizações, consegue dar mais escala às ações de manejo sustentável dos recursos naturais e o fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, como é o caso dos óleos vegetais. 

Gerente de projetos da PPA, Denyse Mello avalia que o PTMJ congrega as principais características necessárias para o desenvolvimento local, por reunir aspectos como o fortalecimento das organizações e a geração de emprego e renda para a população local. “Isso agrega valor às cadeias sustentáveis e contribui para a conservação da biodiversidade. Um exemplo é a cadeia de óleos essenciais, que envolve os extrativistas, engaja grandes empresas e comunica ao público das grandes cidades a importância desses valores”, afirma Denyse.

Produção

A organização local e o apoio das entidades envolvidas no PTMJ foram cruciais para permitir que as famílias agroextrativistas recebessem suporte em 2021, quando o Rio Juruá registrou uma das maiores cheias das últimas décadas.

Com as chuvas, a colheita das sementes, realizada durante o primeiro semestre do ano, ficou prejudicada. Das 61 comunidades ribeirinhas localizadas no território, 44 sofreram drasticamente o impacto da cheia, ficando embaixo d’água por todo o período chuvoso e obrigando as famílias a mudar temporariamente para abrigos coletivos. 

Além de as roças de subsistência ficarem alagadas, os agroextrativistas viram 85% da sua produção de sementes oleaginosas comprometida, tanto pela dificuldade de deslocamento para a floresta como pelo alto nível das águas que levaram as sementes, não permitindo a coleta. Várias estruturas de secagem de sementes, essenciais ao processo produtivo, também foram perdidas e estão sendo reconstruídas neste ano.

“O pessoal deixou de coletar sementes no equivalente a R$ 2 milhões porque elas caíram e a água carregou. Esse dinheiro a menos no bolso das famílias da Resex e da RDS fez falta. O desequilíbrio do ambiente tem impacto direto na vida das pessoas”, resume Manuel da Cunha, morador da comunidade São Raimundo e gestor da Resex Médio Juruá.

Agora, o foco tem sido na reconstrução das estruturas de secagem e na safra de sementes deste ano. Cada espécie tem um período de produção e coleta diferente – a da andiroba é de janeiro a março; murumuru de abril a julho; e ucuúba, de dezembro a março. 

“Desde o ano passado estamos trabalhando em parceria com as organizações de base e seus parceiros para sanar o grande impacto que a cheia causou, buscando focar na reestruturação da cadeia, com a construção das casas de secagem e apoio logístico. Esperamos que em 2022 possamos aproveitar ao máximo a safra de murumuru e andiroba, que já se inicia. Voltaremos a trabalhar o fornecimento da manteiga de ucuúba, aproveitando a boa safra que esta espécie apresenta, procurando trazer o maior retorno possível às comunidades, frente ao grande impacto sofrido”, avalia Renata Silva Cunha, coordenadora de Relacionamento e Abastecimento da Sociobiodiversidade da Natura.

Segundo ela, as comunidades do Médio Juruá têm um importante papel na história da empresa, sendo um marco referencial de relacionamento e estratégia na Amazônia. Na região também é feita a aplicação de recursos vindos do Fundo de Repartição de Benefícios do Médio Juruá. Por meio de seus Comitê Gestor e Secretaria Executiva — que incluem representantes das organizações de base locais e órgãos do governo – são avaliados e aprovados os projetos para a utilização da repartição de benefícios não monetária e definidos a destinação do dinheiro repassado pela empresa.

A importância da cadeia

As famílias agroextrativistas identificam em suas comunidades as regiões dentro da floresta que concentram as andirobeiras e os murumuzeiros. Seus frutos, em forma de amêndoas e sementes, caem das árvores, que chegam a medir 30 metros de altura (o equivalente a um prédio de 10 andares). 

Elas são recolhidas, lavadas e, no caso da andiroba, as sementes podem ser fervidas. Depois são colocadas em unidades para secar, período que pode variar de uma semana a um mês. Associações locais compram as sementes das famílias e encaminham para as duas unidades de processamento, onde os óleos e manteigas são extraídos e depois comercializados com a indústria. 

Tanto o óleo da andiroba como do murumuru são ricos em propriedades restauradoras e hidratantes. Já a ucuuba produz uma manteiga natural com alto poder de hidratação. Todos são muito usados na indústria de cosméticos. Dentro do PTMJ, os agroextrativistas também participam de cursos de capacitação e de boas práticas de produção, com melhora da qualidade do produto final.

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